quinta-feira, 10 de fevereiro de 2011

"O que é de paz, cresce por si" JGR



Apesar da chuva a vida continua, lavoura meio encharcada, boiada elameada mas também com pasto farto. E seguindo essa idéia do cotidiano aqui da Mantiqueira, transcrevo abaixo dois poemas escritos por Dilan, um amigo de 8 anos, criador de cabra, gado, carneiro e muito mais, filho do Douglas e da Patrícia de quem já falamos aqui no texto sobre a Fazenda Serra d`Água.
E como eu não inventei nada desta vez, mas também para entrar nesse clima, o título desta postagem é uma frase de Guimarães Rosa no romance Grande Sertão Veredas. Afinal a gente não quer só comida... Aqui na roça também se produz "curtura"! A mãe do Dilan
é professora de português e não queria que o poema fosse transcrito com os erros de português, mas o Dilan bem explicou que eles são a poesia!

A peleja com a boiada

Quando eu caminhava pela estrada
Tocando minha boiada
Era Jersey, era Zebu
Era só pó que levantava

O meu ritiro era di paia
Umas cochera ajeitada
Quando chega a boiada
É qui a coisa se atrapaia

Até arrumá u gado
É um trabaio só
Eu fiquei tão froxo
Minha coluna deu um nó

Dispois di tanto trabaio
A boiada si acarmô
Enchero o bucho de capim
E pru pasto ela vortô

Autor: Dilan Carvalho Barreira

Meu Canto de Serra

Quando acordo dimanhazinha
Desço na carreira
Sentindo cheiro de fumaça,
Esquentando o fundo da chaleira

Os bichos já esperando
Para o pasto ir pastar
O cavalo relincha
É hora de trabaiá

Ando pra lá e pra cá
Pois dos bicho não posso descuidá
A cerca tem di estar boa
Para o pasto do vizinho eles não passar

É gato, é galinha, cachorro e cavalo,
Vacas, cabras, ovelhas e porcos
Todos devem imaginar
Como essa turma dá trabalho

Aqui no Sítio Serra d`Água
O trabalho já se acabou
Nesse canto de serra
Que vivo na paz e no amor

Autor: Dilan Carvalho Barreira

terça-feira, 18 de janeiro de 2011

Temporal de 12 de janeiro


Aqui em Campo Redondo o temporal de 12 de janeiro deixou suas marcas, profundas e drásticas. A cheia das cabeceiras transformou pequenos córregos de 4m de largura em rios de 50m de largura, aterrou várzeas e causou deslizamentos de terra. No centro de Campo Redondo não sofremos maiores perdas, o problema se deu mesmo na comunidade vizinha, a Berta Rural, há 5km daqui. Lá mais de 60 avalanches de terra destruíram casas e instalações de produção, desabrigando 5 famílias. A principal estrada de acesso a Campo Redondo desapareceu no meio da lama e do novo desenho do curso dos córregos. Tudo terá que ser refeito (traçado, pavimentação, pontes...). Toda atividade econômica do bairro foi levada rio abaixo, tanques de truta, lavouras e muitos animais.
A ajuda que enviamos de Campo Redondo para os vizinhos da Berta teve que ser levada a pé, mesmo animais estão tendo dificuldade para transpor o lamaçal. As cinco famílias desabrigadas perderam absolutamente tudo, de objetos pessoais a ferramentas de trabalho.
Além da tragédia e da preocupação em ajudar as vítimas o que chama atenção é que todas as avalanches de toneladas de terra ocorreram em áreas com cobertura vegetal densa. Em conversa com vizinhos é unanimidade que esta foi a pior chuva que já presenciaram.
Na noite do temporal sentimos a temperatura muito quente, o ar abafado (condições raras aqui a 1600m de altitude), foi o prenúncio da tragédia!
Graças à Deus aqui não houve mortes de seres-humanos, porém as perdas econômicas foram muitos grandes, desestabilizando completamente muitas famílias. A reconstrução da estrada custará milhões, acreditamos que levará tempo, já que estamos em uma região pouco populosa e com discreta movimentação financeira, afinal aqui o grau de consumo é bem menor, em geral as famílias consomem o que produzem,
Aqui nas proximidades está o município de Alagoa, duramente castigado. Está isolado desde a quarta passada. A cidade está precisando de donativos, estamos aguardando o contato para saber o que mais eles necessitam e como levaremos até lá, assim que obtivermos estas informações vamos disponibilizar uma lista para quem quiser ajudar. Aqui a tragédia só não foi maior pois a região é menos habitada, se não...

quinta-feira, 25 de novembro de 2010

Primeiros passos na Mantiqueira


A horta que desenvolvemos aqui em Campo Redondo foi iniciada em março de 2010. Nossa proposta é desenvolver a agroecologia cujo principal objetivo é trabalhar sobre a fertilidade do solo, recuperá-la, enriquecê-la e mantê-la. Neste manejo a fertilidade do solo é obtida a partir do plantio de adubação verde, árvores para alimentar o sistema e vez por outra um aporte de composto orgânico e biofertilizante.
Entramos em uma área, que servia como pasto para vacas em lactação, já bastante desgastado pelo pastoreio extensivo sem nenhum tipo de manejo (descanso da pastagem, replantio do capim...). A primeira ação foi cercar a área com tela de arame, depois cavoucamos a terra com enxada (3 homens durante 1 semana), deixando todos os arbustos já existentes. Ao todo são 600m².
Com a terra apenas levemente levantada, semeamos a lanço um coquetel de adubo verde (60% nabo forrageiro, 40% crotalária). Utilizamos o adubo verde para fixar nitrogênio no solo e outros nutrientes indispensáveis para o crescimento das plantas. Na agricultura tradicional este manejo seria substituído pelo NPK (Nitrogênio, Fósforo e Potássio), dias antes do plantio, um fertilizante de origem petroquímica. Fizemos também um aporte de esterco fresco e curtido mais palhagem de araucária e capim seco.
Em uma pequena parte subimos dez leirões de 1m X 4m para plantar alho, neste caso fizemos uma calagem (calcário dolomítico) para diminuir a acidez do solo 40 dias antes da semeadura e fomos revirando junto com a terra esterco (bovino e ovino), palhagem e pulverizamos tudo isso (inclusive a adubação verde) com um biofertilizante, que já estava sendo preparado desde outubro de 2009, contendo: farinha de osso, esterco, água, urina de vaca, mamona triturada e preparado 500 da agricultura biodinâmica (devidamente acrescentado fazendo-se a mistura em sentido horário e anti-horário, durante 60 minutos).
Enquanto deixamos nosso amado solo em um spa, construímos uma estufa sementeira para formarmos as primeiras mudas (alcachofra, alho-poró, couve-flor entre outras culturas de inverno).
As primeiras mudas foram transplantadas em junho (meio fora de hora), mas assumimos o risco que as constantes geadas oferecem para lavoura. Algumas espécies, plantamos em leiras (morango, alho-poró), mas a maioria optamos pelo plantio direto, apenas fazendo um coroamento em volta de cada muda.
É importante destacar que nossa horta levou mais tempo para começar a dar seus primeiros frutos. Afinal, optamos primeiro por cuidar do solo, tratá-lo como um organismo vivo (salve a grande mestra Dra Ana Maria Primavesi) e não apenas um mero plano físico para apoiarmos nossas culturas e seus devidos fertilizantes.
Após as plantas do adubo verde completarem seu ciclo e florescerem, começamos a revirar e incorporar o adubo verde no solo, abrimos covas e subimos leiras onde plantamos culturas de primavera/ verão (beterraba, cenoura, cebola, abobrinha, brócolis...). Ao abrirmos as covas e leiras fazemos uma adubação com composto orgânico e biofertilizante.
Em setembro e outubro colhemos o alho. Neste primeiro ano a produção foi bem fraca, dos 80kg que era esperado, chegamos a 20! Não foi exatamente uma surpresa, pois “forçamos a barra” ao semear um solo cansado.
Isso é apenas o começo, a nossa forma de fazer. Não é a mais certa nem a errada. A utilização de estufas também é um excelente recurso. O mais importante é desenvolvermos uma produção agrícola que respeite o solo, o ar e a água, prescindido de qualquer insumo de origem petroquímica!

sábado, 13 de novembro de 2010

João de Barro e a chuva


O João de Barro é um pássaro bem popular no interior do Brasil. Acho que quase todo mundo o conhece. Desde o Sul até o Nordeste, passando pelo Centro Oeste avistamos sua casa de barro, em geral, construída nos galhos mais altos. Ele é famoso por ser um bom arquiteto: sua casa é térmica (isso ajuda a entender como é possível encontrá-lo tanto em lugares frios quanto quentes), é também uma residência segura, um ninho que pode chegar a abrigar mais de uma geração!
Esses dias pra trás descobri que o João de Barro é também meteorologista. Quem me contou foi Seu Dito, cidadão querido e respeitado aqui no Campo Redondo. É que este passarinho inteligente muda a entrada de seu ninho de acordo com a direção da chuva. Aqui, neste ano, sua porta está voltada para o poente.
Para tirar a prova do que Seu Dito havia me ensinado, perguntei a mais uns 3 entendidos do assunto aqui no bairro e por unanimidade me foi relatado que as maiores chuvas desta temporada começaram a vir do nascente.
Fundamental essa informação para gente! Já dá para criar uns quebra-ventos na horta para diminuir o impacto das chuvas.
Valeu Seu Dito! Que seria de nós sem aqueles que conversam com pássaros, pedras e plantas?

“Amar é a gente querer se abraçar com um pássaro que voa” JGR

sexta-feira, 1 de outubro de 2010

Artesanato de Campo Redondo


O isolamento de uma comunidade de algum centro urbano gera muitos inconvenientes para seus moradores, porém contribui de forma decisiva no desenvolvimento de saberes e habilidades manuais. Campo Redondo é um bom exemplo disso. A dificuldade de acesso até Itamonte e, até os anos 50 a própria inexistência de estrada, fez com que o povo garrolê (como se chama a gente daqui) buscasse quase tudo que precisava na natureza. Os fundadores da comunidade eram portugueses, isso foi a mais de 200 anos, e trouxeram consigo sua cultura, essa influência até hoje é perceptível.
Felizmente, muitas dessas expressões se mantêm. Na comunidade ainda é possível encontrar o processo completo de confecção de roupas para o frio, com toda a matéria prima originada no local. É admirável acompanhar cada fase: tosquiar, cardar, fiar, tingir e tecer. Tanto na tecelagem como no tricô e crochê mulheres de todas as idades se envolvem. Na culinária as tradicionais compotas de figo, pêssego e pêra são produzidas em quase todas as casas, sem exagero. E resta um monjolo para fazer a farinha! Marcenaria e serralheria, em menor escala, ainda se faz por aqui.
A melhoria no acesso, luz elétrica e outras facilidades da vida moderna foram bem-vindas, abrandou a dureza da vida na roça. Atualmente, a comunidade está até no mapa! A escola cresceu e hoje é referência no município, a internet chegou (via rádio) e bem recentemente, em julho, foi instalado o primeiro orelhão do bairro. A vida mudou e aos poucos os artesãos e artesãs aperfeiçoaram sua forma de criar e transformaram toda essa habilidade em geração de renda. A comercialização tem sido um incentivo importante para que a tradição da renda de abrolho, o processo de tecelagem, entre outras práticas artesanais continuem a passar de geração em geração.Vale a pena conhecer o que essa gente inventa, você vai se surpreender!

terça-feira, 21 de setembro de 2010

Serra D`Água


Sempre me questiono sobre o que é de fato a sustentabilidade dentro de uma propriedade rural. E neste aspecto tenho visto que nem sempre um selo de orgânico, aferido por uma certificadora, é sinônimo de sustentabilidade. Radicalismos à parte, o que importa mesmo é produzir alimentos saudáveis para o solo, agricultor e consumidor.
Por outro lado, na minha busca (só a filosofia explica) sobre meu papel no mundo, fico sonhando com a tal sustentabilidade. E por isso tenho uma curiosidade insaciável por conhecer modos de produção, propriedades e agricultores. E por estes caminhos de terra batida, vou encontrando meus exemplos, alguns, verdadeiros gurus!
E foi assim quando conheci a Fazenda Serra d` Água e seus proprietários Douglas e Patrícia. Uma propriedade de criação animal (bovinos, eqüinos, caprinos, ovinos, suínos, aves – galinhas e perus- e abelhas). Tem também pomar, capineira, um pequeno eucaliptal (lenha é essencial para casa e queijaria) e claro muita mata!
O manejo de tudo isso é muito interessante. Os animais vivem todos soltos durante o dia e a noite são reunidos no curral. Quando tem frutas o pomar é bem cercado para que cabras e ovelhas não comam tudo! No resto do ano são bem-vindas já que adubam muito bem o solo. Na capineira nenhum bicho entra, só o homem, mas ela recebe doses generosas de um blend de esterco de todas as espécies citadas acima.
Durante o ano a produtividade é bem variada. Uma época são as vacas dando leite, em outra são as cabras. Depois do inverno as ovelhas e carneiros são tosquiados e aí começa o trabalhoso ofício de produzir lãs, feito com esmero pela Patrícia, que aproveita toda a biodiversidade da fazenda na hora de tingir as meadas. No Natal sempre tem peru à mesa, e até alguns para vender. As galinhas até que trabalham bem, mas em geral no frio sempre dão uma parada.
A fazenda tem suas pastagens entrecortadas pela mata nativa. Os animais pastam livremente e recebem trato no cocho. Raramente adoecem, pois livres, podem seguir seus instintos e escolher a própria comida, tendo uma dieta mais balanceada.
A Fazenda Serra d`Água e seu proprietário Douglas fazem uma união próspera, ambos tem aptidão para este manejo que esta sendo feito. Formam um bom exemplo de um sistema agro-silvopastoril.
E a fazenda não tem luz! Fica em um cantão lindo do município de Alagoa. Claro, cabe a pergunta: nada vem de fora? Sim, algumas coisas: diesel, sal para os animais, milho para enriquecer a dieta dos animais, comida para variar o cardápio dos donos e um vinhozinho para aquecer as noites frias!

domingo, 12 de setembro de 2010

Pode a própria semente ser sua necessária terra?


Nossa experiência com agroecologia é bem diversa. O Boldo é de Fernando de Noronha (nascido e criado na ilha), neto de um agricultor tradicional, Seu Juvenal Veneno. Boldo desde pequeno esteve envolvido com criação de animais, plantações em mutirões e hortas domésticas. A Carovinha é filha de produtor rural do sudeste, médio criador de gado de leite e de corte, teve sua infância muito ligada a roça, mas sua cabeça foi feita mesmo ao viajar pelo Brasil filmando para o programa de TV “Brava Gente Brasileira” experiências em agroecologia. O estalo foi imediato, Carovinha foi fazer cursos na área e terminou por fazer uma pós-graduação em Agricultura Biodinâmica no Instituto Elo de Botucatu. Boldo sentiu que também tinha que buscar informação e foi fazer cursos de criação de caprinos, agrofloresta e até de doma racional de cavalos.
Sentimos então que estávamos prontos, decidimos mudar de vida e viver da terra. Abandonamos nossos empregos e começamos a manejar uma área de 8 hectares da Fazenda Floresta (do pai da Carovinha), isso foi no fim de 2005 e lá ficamos até o fim 2008 trabalhando com verduras, frutas e legumes diversos. Em 2009 paramos de plantar hortaliças e ficamos apenas manejando nossa Agrofloresta, junto com isso começamos a freqüentar Campo Redondo na Mantiqueira. Aqui conhecemos agricultores tradicionais que mexem com culturas de clima temperado (alho, batata inglesa, ervilha...). Uma parte dos agricultores daqui já está organizada através da APRUCARE (Associação dos Produtores Rurais de Campo redondo). Tudo nos fascinou, sobretudo a comunidade, e para cá nos mudamos.
Atualmente, temos uma horta em parceria com Seu Otaíde e seu filho Flaviano. Aqui pudemos constatar que muitas técnicas que usamos na agroecologia eram desconhecidas ou foram esquecidas com a pressão que existe no campo para compra de insumos externos. Esta parceria está sendo uma saudável experiência, uma via de mão dupla, pois ao mesmo tempo em que aprendemos muito com Seu Otaide, estamos implantando novos hábitos: cobertura dos canteiros com palhagem, preparo e uso de biofertilizantes, utilização e armazenamento de sementes crioulas e muito mais.
Paralelamente a essas experiências mantemos o serviço de entrega domiciliar no Rio de Janeiro. Nosso critério ao montarmos nossa lista de produtos é oferecer comida produzida de forma limpa e justa, para isso formamos uma pequena rede de fornecedores, todos eles com a premissa básica de porteiras abertas!
Resumidamente tentamos explicar nossa experiência com produção de alimentos. Em breve postaremos aqui textos sobre outras experiências locais, como a dos criadores Douglas & Patrícia na Fazenda Serra D´Água.
Abraços!
OBS: o título deste texto é uma frase de Guimarães Rosa no livro "Ave Palavra"